quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Como funcionam os motores de foguetes

Uma das missões mais incríveis que o homem já empreendeu foi a exploração espacial, de assombrosa complexidade. A exploração espacial é complicada porque existem muitos problemas a resolver e obstáculos a superar - coisas como:
  • o vácuo do espaço;
  • problemas com gerenciamento do calor;
  • a dificuldade da reentrada;
  • a mecânica orbital;
  • micrometeoritos e detritos do espaço;
  • radiação solar e cósmica;
  • a logística de como ter um banheiro em um ambiente sem gravidade.
Mas o maior problema de todos é conseguir energia suficiente para simplesmente tirar a aeronave do solo. É aí que entram osmotores dos foguetes.
Os motores dos foguetes são, por um lado, tão simples que você poderia montar e voar em seu próprio modelo de foguete sem gastar muito (veja os links na última página do artigo para mais detalhes). Por outro lado, os motores de foguetes e seus sistemas de combustível são tão complicados que somente 3 países conseguiram colocar pessoas em órbita. Neste artigo, vamos dar uma olhada nos motores dos foguetes para entender como funcionam, bem como para compreender um pouco da complexidade que os rodeia.
O básico
Quando a maioria das pessoas pensa a respeito de motores, lembra de rotação. Por exemplo, o motor a gasolina de um carro produz energia rotacional para mover as rodas. Um motor elétrico produz energia rotacional para girar um ventilador ou fazer girar um disco. Um motor a vapor é usado para fazer o mesmo que faz uma turbina a vapor e a maioria das turbinas a gás.
Os motores dos foguetes são radicalmente diferentes, pois são de reação. O princípio básico no qual se baseia o motor de um foguete é o famoso princípio newtoniano segundo o qual "a cada ação corresponde uma reação de igual intensidade e sentido contrário". Um motor de foguete está jogando massa para um sentido e se beneficiando da reação que ocorre no sentido oposto como resultado.




Esse conceito de "jogar massa e se beneficiar da reação" pode ser difícil de assimilar a princípio porque não é isso que parece estar acontecendo. Veja os exemplos a seguir para ter uma idéia melhor da realidade.
  • Se você já atirou com uma espingarda, especialmente uma grande de calibre 12, então sabe que o "coice" é bem forte. Esse coice é uma reação. Uma espingarda atira com cerca de 30 gramas de metal em um sentido a aproximadamente 1.100 km/h ,e seu ombro sente o impacto da reação. Se você estivesse usando patins ou um skate ao atirar com a arma, ela estaria atuando como um motor de foguete e você reagiria rolando no sentido oposto.
     
  • Se você já teve a oportunidade de ver uma mangueira de incêndio dessas grandes jogando água, deve ter notado que é necessário usar muita força para segurar a mangueira (às vezes, são necessários 2 ou 3 bombeiros). A mangueira está atuando como um motor de foguete. Ela está jogando água em uma direção e os bombeiros estão usando sua força e peso para contrabalançar a reação. Se eles soltassem a mangueira, ela ficaria batendo em tudo a sua volta com uma força tremenda. Se os bombeiros estivessem em skates, a mangueira iria empurrá-los para trás em grande velocidade.
     
  • Quando você enche uma bexiga e deixa que ela voe por toda a sala, está criando um motor de foguete. Nesse caso, o que está sendo jogado são as moléculas de ar que estão dentro da bexiga. Muitas pessoas acreditam que as moléculas de ar não pesam nada, mas elas têm peso (veja a página sobre o hélio para ter uma melhor noção do peso do ar). Quando elas saem pela boca da bexiga, o resto da bexiga reage no sentido oposto.
Ação e reação: o cenário da bola de beisebol espacial
Imagine a seguinte situação: você está usando um traje espacial, está flutuando no espaço ao lado do ônibus espacial e tem uma bola de beisebol em sua mão.
Se você arremessar a bola de beisebol, seu corpo vai reagir indo para o lado oposto ao da bola. O que controla a velocidade com a qual seu corpo se afasta é o peso da bola que você arremessa e a quantidade de aceleração aplicada a ela. A massa multiplicada pela aceleração é igual à força (f = m * a). Qualquer que seja a força aplicada à bola de beisebol, ela será equalizada por uma força de reação idêntica aplicada a seu corpo (m * a = m * a). Então, vamos dizer que a bola tenha 0,5 kg e seu corpo e o traje espacial juntos tenham 50 kg. Você arremessa a bola a uma velocidade de aproximadamente 10 m/s (36 km/h). Isso quer dizer que você acelera a bola de beisebol de 0,5 kg com seu braço para que ela ganhe uma velocidade de 36 km/h. Seu corpo reage, mas ele tem 100 vezes mais massa do que a bola. Portanto, ele se afasta a um centésimo da velocidade da bola de beisebol ou a 0,1 m/s (0,36 km/h). 
Se você quiser gerar mais empuxo para sua bola de beisebol,  tem 2 opções: aumentar a massa ou aumentar a aceleração. Você pode arremessar uma bola mais pesada, atirar várias bolas uma após a outra (aumentando a massa) ou arremessar a bola mais rápido (aumentando sua aceleração). Mas isso é tudo o que você pode fazer.

Foto cedida pela NASA
Uma câmera a distância capta uma vista em primeiro plano do motor principal do ônibus espacial durante um teste de ignição no Centro Espacial John C. Stennis, em Hancock County, Mississippi, nos EUA 
O motor de foguete geralmente está jogando massa na forma de um gás a alta pressão. O motor joga a massa de gás para fora em uma direção para obter uma reação no sentido oposto. A massa vem do peso do combustível que o motor do foguete queima. O processo da combustão acelera a massa do combustível, de forma que saia do bico do foguete em alta velocidade. O fato de que o combustível se transforma de sólido ou líquido em gás quando queima não altera sua massa. Se você queimar 0,5 kg de combustível de foguete, 0,5 kg de descarga sai pelo bico na forma de gás em alta temperatura e velocidade. A forma é alterada, mas a massa não. O processo de combustão acelera a massa.

Empuxo e foguetes movidos a combustível sólido

A "força" de um motor de foguete é chamada de empuxo. O empuxo é medido em "libras de empuxo" nos Estados Unidos e em newtons (N) no sistema métrico internacional (4,45 N de empuxo equivalem a 1 libra de empuxo). Uma libra de empuxo (4,45 N) é a quantidade que seria necessária para manter um objeto de 0,45 kg estacionário, ou seja, fazendo oposição à força da gravidade da Terra (a aceleração da gravidade, em aproximação grosseira, é de 10 metros por segundo a cada segundo (10 m/s2), ou 36 km/h por segundo. Se você estivesse flutuando no espaço com um saco de bolas de beisebol e atirasse uma bola por segundo à velocidade de 36 km/h, elas estariam gerando o equivalente a quase uma libra de empuxo, ou 4,45 N. Se você atirasse as bolas a 72 km/h geraria quase 9 N de empuxo. Se você as arremessasse a 3.600 km/h (talvez atirando-as por meio de uma máquina), você estaria gerando perto de 45 N de empuxo, e assim por diante.
Um dos problemas curiosos que os foguetes têm é que os objetos que o motor deverá lançar na realidade têm um peso, e o foguete tem que carregar esse peso junto. Então, digamos que você deseje gerar 45 N de empuxo por uma hora, lançando uma bola de beisebol a cada segundo a uma velocidade de 3.600 km/h. Isso significa que você tem que começar com 3.600 bolas de meio quilograma (pois são 3.600 segundos em uma hora), ou 1.800 kg de bolas. Uma vez que você só tem 50 kg em seu traje espacial, pode ver que a massa de seu "combustível" é muito mais alta que a massa da carga a bordo (você). Na realidade, o combustível pesa 36 vezes mais que a carga a bordo. E isso é muito comum. Essa é a razão porque você tem de ter um foguete gigantesco para lançar uma pessoa no espaço - é necessário carregar muito combustível.
Ônibus espacial




Você pode ver a equação da massa muito claramente no ônibus espacial. Se você já teve a oportunidade de ver o lançamento do ônibus espacial, sabe que existem 3 partes:
  • o ônibus espacial
  • o grande tanque externo
  • os dois propulsores de foguetes sólidos (SRBs)
O ônibus espacial tem 75 mil kg vazio, o tanque externo tem 35.500 kg vazio e os 2 propulsores dos foguetes sólidos têm 84 mil kg cada um vazios. Mas é necessário carregá-los de combustível. Cada SRB armazena 500 mil kg de combustível. O tanque externo armazena 541 mil litros de oxigênio líquido (617 mil kg) e 1.500.000 litros de hidrogênio líquido (102.500 kg). O veículo completo - ônibus espacial, tanque externo, propulsores dos foguetes sólidos e todo o combustível - tem a massa total de 2.000.000 kg no lançamento. 2.000.000 kg para colocar 75 mil kg em órbita é uma bela diferença. Para ser justo, o ônibus espacial também pode transportar uma carga útil de 29.500 kg (até 4,5 x 18 metros de dimensão), mas ainda assim é uma grande diferença. O combustível tem quase 20 vezes mais massa que o ônibus espacial [fonte: Manual de operação do ônibus espacial]. 
Todo esse combustível está sendo lançado pela parte traseira do ônibus espacial a uma velocidade de quase 9.700 km/h (as velocidades usuais para foguetes vão de 8 mil a 16 mil km/h). Os SRBs queimam por aproximadamente 2 minutos e geram cerca de 15.000.000 N de empuxo cada um no lançamento. Os 3 motores principais (que usam o combustível no tanque externo) queimam por aproximadamente 8 minutos, gerando quase 1.700.000 N de empuxo cada um durante a combustão.

Foguetes de combustível sólido: mistura de combustível
Os motores para foguetes movidos a combustível sólido foram os primeiros motores criados pelo homem. Inventados há centenas de anos na China,  têm sido muito usados desde então. A frase a respeito do "fulgor vermelho do foguete" mencionada no Hino Nacional dos Estados Unidos (escrito em 1800) refere-se a pequenos foguetes militares movidos a combustível sólido usados para lançar bombas ou dispositivos incendiários. Como você pode ver, os foguetes já são usados há muito tempo.
A idéia por trás de um simples foguete movido a combustível sólido não tem segredos. O que você deseja é criar alguma coisa que queime bem rápido, mas sem explodir. Como você já deve saber, a pólvora explode. A pólvora é feita de 75% de nitrato, 15% de carbono e 10% de enxofre. Com relação a um motor de foguete, você não quer que ele exploda - e sim que a potência seja liberada de maneira uniforme em um determinado período. Portanto, é possível alterar a mistura para 72% de nitrato, 24% de carbono e 4% de enxofre. Nesse caso, no lugar da pólvora, consegue-se um simples combustível para foguetes. Esse tipo de mistura queimará muito rapidamente, e não irá explodir se for carregada adequadamente. Veja abaixo um corte transversal característico:





Foguete alimentado por combustível sólido imediatamente antes e depois da ignição
No lado esquerdo, você tem o foguete antes da ignição. O combustível sólido é mostrado em verde. Ele é cilíndrico, com um tubo furado no meio. Quando você acende o combustível, ele queima ao longo da parede do tubo. Ao queimar, começa pelo lado interno em direção à carcaça até que todo o combustível tenha sido queimado. Em um pequeno modelo de motor de foguete ou em uma minúscula garrafa-foguete, a combustão pode durar um segundo ou menos. Em um SBR do ônibus espacial contendo perto de mais de 500.000 quilos de combustível, a combustão demora aproximadamente 2 minutos.

Foguetes de combustível sólido: configuração do canal
Quando você lê a respeito dos foguetes de combustível sólido avançados como a os foguetes movidos a combustível sólido do ônibus espacial ,freqüentemente lê coisas do tipo:
    A mistura do propelente em cada motor de SRB consiste em perclorato de amônia (oxidante, 69,6%, por peso), alumínio (combustível, 16%), óxido de ferro (um catalisador, 0,4%), um polímero (uma liga que mantém a mistura unida, 12,04%) e um agente de cura de epóxi (1,96%). O propelente é um orifício em formato de estrela de 11 pontas no segmento do motor à frente e uma perfuração de cone truncado duplo em cada segmento da popa e clausura da popa. Essa configuração fornece alto empuxo na ignição e depois de 50 segundos da decolagem reduz o empuxo em aproximadamente um terço, para evitar a sobrecarga do veículo durante a pressão dinâmica máxima (fonte: NASA). 
Este parágrafo discute não apenas a mistura de combustível como também a configuração do canal furado no centro do combustível. O "orifício em formato de estrela de 11 pontas" pode se parecer com isto:




A idéia é aumentar a área da superfície do canal, ampliando assim a área de combustão e, conseqüentemente, o empuxo. À medida que o combustível queima, o formato se iguala, formando um círculo. No caso dos SRBs, é fornecido ao motor alto empuxo inicial e baixo empuxo na metade do vôo.
Os motores de foguetes movidos a combustível sólido têm 3 vantagens importantes:
  • simplicidade
  • baixo custo
  • segurança
Eles também apresentam 2 desvantagens:
  • o empuxo não pode ser controlado
  • uma vez que a ignição foi feita, o motor não pode ser parado nem reiniciado
As desvantagens significam que os foguetes movidos a combustível sólido são úteis para tarefas de curto período (como mísseis) ou para sistemas de propulsão auxiliar. Quando há a necessidade de controlar o motor, você deve usar um sistema de combustível propelente líquido. A seguir, aprenderemos sobre essas e outras possibilidades.

Foguetes de combustíveis propelentes líquidos e outros tipos de foguetes

Em 1926, Robert Goddard testou o primeiro motor de foguete movido a combustível líquido. Seu motor usava gasolina e oxigênio líquido. Ele também trabalhou no projeto e resolveu vários problemas fundamentais com relação ao projeto de motores para foguete, incluindo mecanismos de bombeamento, estratégias de resfriamento e arranjos para o direcionamento. Esses problemas são a razão de os foguetes movidos a combustível líquido serem tão complicados.





Foto cedida pela NASA
Dr. Robert H. Goddard e seu foguete a gasolina/oxigênio líquido na estrutura da qual foi lançado em 16 de março de 1926, em Auburn, Massachusetts, EUA. Ele voou apenas 2,5 segundos, subiu 12 metros e aterrissou a 56 metros de distância em uma plantação de repolhos.
A idéia básica é simples. Na maioria dos motores de foguetes movidos a combustível líquido, o combustível e um oxidante (por exemplo, gasolina e oxigênio líquido) são bombeados em uma câmara de combustão. Nessa câmara, eles queimam para criar um fluxo de gases quentes de alta pressão e alta velocidade. Esses gases passam através de um bico que os acelera mais ainda (velocidades normais finais de 8 mil a 16 mil km/h) para então deixar o motor. O seguinte diagrama simplificado mostra os componentes básicos.




Esse diagrama não mostra as reais complexidades de um motor típico (veja alguns dos links na parte inferior da página para melhor visualização das imagens e descrições de motores reais). Por exemplo, é normal que o combustível ou o oxidante seja um gás liquefeito frio como hidrogênio ou oxigênio líquidos. Um dos maiores problemas do motor de foguete movido a combustível líquido é o resfriamento da câmara de combustão e do bico, assim os líquidos criogênicos circulam primeiro em volta das partes superaquecidas para resfriá-las. As bombas têm de gerar pressões extremamente altas para poder suplantar a pressão que o combustível de queima cria na câmara de combustão. Os motores principais do ônibus espacial usam, na verdade, 2 estágios de bombeamento e queimam combustível para acionar as bombas do segundo estágio. Todos esses bombeamentos e resfriamentos fazem com que um típico motor de combustível líquido se pareça mais com um confuso projeto de encanamentos do que com qualquer outra coisa.
Todos os tipos de combinações de combustível são usados em motores de foguetes movidos a combustível propelente líquido. 
  • Hidrogênio líquido e oxigênio líquido - usados nos motores do ônibus espacial (em inglês).
  • Gasolina e oxigênio líquido - usados nos principais foguetes de Goddard.
  • Querosene e oxigênio líquido - usados no primeiro estágio dos grandes propulsores do Saturno V do programa Apollo.
  • Álcool e oxigênio líquido - usados nos foguetes V2 alemães.
  • Tetróxido de nitrogênio/hidrazina monometílica - usados nos motores da Cassini.
Outras possibilidades

Normalmente motores de foguetes químicos queimam seu combustível para gerar empuxo. No entanto, existem outros meios para gerar empuxo. Qualquer sistema arremessador de massa serviria. Se você conseguisse descobrir um meio de arremessar bolas de beisebol a velocidades extremamente altas, teria, algo semelhante ao motor de foguete. O único problema com essa tentativa seria que a bola de beisebol (em razão da alta velocidade que atingiria) seria "expelida" diretamente para o espaço. Esse pequeno problema faz com que os projetistas de motores de foguete sejam favoráveis a utilizar gases para o escape.
Muitos motores de foguetes são muito pequenos. Por exemplo, os propulsores dos satélites não precisam produzir muita impulsão. Um modelo comum de motor encontrado nos satélites não utiliza nenhum tipo de "combustível" - os propulsores de nitrogênio pressurizado expelem simplesmente o gás de nitrogênio a partir de um tanque, através de um bico. Propulsores como esse mantiveram o Skylab em órbita e também são usados no sistema de manobras, operado manualmente, do ônibus espacial.
Novos modelos de motores estão tentando achar um meio de acelerar íonsou partículas atômicas em velocidades extremamente altas para criar empuxo mais eficientemente. A espaçonave Deep Space-1 da NASA será a primeira a usar motores de íons (em inglês) para propulsão. 





Foto cedida pela NASA
Essa imagem do motor de íons de xenônio, fotografado através de uma porta da câmara de vácuo, onde estava sendo testado no laboratório de propulsão a jato da NASA, mostra o fraco brilho azul de átomos carregados sendo emitidos pelo motor. O motor de propulsão a íons é a primeira propulsão não química a ser usada como propelente principal para
impulsionar uma espaçonave.