quarta-feira, 21 de março de 2012

Matéria Escura

Introdução
Ao olhar para cima, à noite, você consegue ver inúmeras estrelas espalhadas pelo céu. Quando os astrônomos conseguem um alcance mais profundo do universo com telescópios poderosos, eles vêem muitas galáxias, organizadas em grandes aglomerados e outras estruturas. Isso pode levar você a acreditar que o universo é formado principalmente de galáxias, estrelas, gases e poeira - coisas que você consegue enxergar. Entretanto, a maioria dos astrônomos acredita que a matéria visível forma apenas uma pequena fração da massa do universo. A maior parte dele é feita de matéria que não conseguimos ver - chamada matéria escura. O que exatamente é a matéria escura? Como podemos detectá-la? Que importância ela tem no universo como um todo?






galáxias








Nesse artigo, examinaremos essas questões. Veremos as evidências da matéria escura, como ela pode ser detectada e estudada, sua natureza e como ela ajuda a definir a estrutura e o destino do universo.

O que é matéria escura?
A matéria escura não pode ser vista por astrônomos com telescópios. Ela não emite nem reflete luz, por isso, não brilha como uma estrela. Basicamente, a matéria escura não pode ser vista - os cientistas conseguem apenas imaginar onde ela está com base nos efeitos gravitacionais do que eles podem ver.
Não conseguimos ver a matéria escura, mas podemos detectá-la por seus efeitos na matéria normal por meio da gravidade (rotação, efeitos de lentes gravitacionais) e pelos raios-X emitidos pela matéria escura quente. Então, o que é exatamente a matéria escura? Do que é feita? Vamos analisar as teorias existentes a respeito dela.

Composição da matéria escura
Sejamos claros - não sabemos a natureza exata da matéria escura. Mas podemos analisar algumas possibilidades.
imagem de um telescópio de raio x
NASA/CXC/CfA/STScI/ESO
Essa imagem de um telescópio de raio X mostra que a matéria escura (em azul) forma a maior parte da massa dessa galáxia

Primeiro, a matéria escura poderia ser matéria comum, feita de prótons, nêutrons e elétrons. Essa matéria comum não emite nem absorve luz, mas mostra os efeitos gravitacionais. Veja a seguir algumas possibilidades.
  • Anãs marrons - objetos grandes formados da mesma maneira que as estrelas, mas nunca acumularam gases e poeira suficientes para chegar à massa crítica e iniciar a fusão do hidrogênio. As anãs marrons têm cerca de 5% da massa do Sol, isto é, são geralmente maiores que um planeta, mas não tão grandes quanto uma estrela. Os astrônomos chamam essas "estrelas" e objetos semelhantes de Machos (Massive Compact Halo Objects - Objetos massivos compactos de halo). Os Machos podem ser detectados pelos efeitos de lentes gravitacionais. Os astrônomos acham que as anãs marrons não são numerosas o bastante para serem responsáveis pela matéria escura na galáxia.
  • Anãs brancas - são os restos dos núcleos de estrelas pequenas e médias mortas). Embora existam muitas anãs brancas, elas não são suficientes para formar a matéria escura (deveria haver grande quantidade de hélio remanescente delas, mas isso não foi observado).
  • Estrelas de nêutrons/buracos negros - são os últimos restos dos núcleos das grandes estrelas após as explosões de supernovas.Embora tenham efeitos gravitacionais grandes e sejam invisíveis uma vez que não conseguem evitar que a luz escape (buracos negros), são muito raras para justificar a matéria escura.
Em segundo lugar, a matéria escura pode ser um tipo totalmente novo de matéria, ou matéria extraordinária. A matéria extraordinária consiste provavelmente em partículas subatômicas que interagem muito pouco com a matéria comum e foram chamadas de WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles - Partículas de grande massivas francamente interagentes).
  • Neutrinos - partículas subatômicas que se movem com velocidades próximas a da luz, mas possuem pouca massa. Essas partículas provavelmente formam pouca matéria escura dentro das galáxias, pois movimentam-se com tanta rapidez que conseguem escapar da força gravitacional da galáxia. Entretanto, podem constituir alguma matéria escura entre as galáxias. Por isso, duvida-se que elas formem muita matéria escura.
  • Novas partículas subatômicas - poderia haver muitas dessas partículas propostas. Muitas originam-se da teoria dasupersimetria, que dobra o número de partículas do modelo padrão . Elas se movem com uma certa lentidão e são relativamente frias (isto é, não detectáveis pelos telescópios de infravermelho e raio-X). Os físicos especialistas em partículas estão tentando encontrar evidências de que essas partículas teóricas expliquem a matéria escura.
    • Neutralinos (neutrinos "massivos") - partículas hipotéticas semelhantes aos neutrinos, mas mais pesadas e lentas. Embora não tenham sido descobertas, são o principal candidato para a  matéria escura extraordinária.
    • Áxions - pequenas partículas neutras e de pouca massa (menos de um milionésimo da massa de um elétron)
    • Fotino - semelhante aos fótons, mas com massa de 10 a 100 vezes maior que a de um próton. Os fotinos são neutros e interagem de forma fraca com a massa.
Os cientistas estimam que a matéria comum pode construir até 20% da matéria escura do universo. 

Detecção de matéria escura
O problema da matéria escura surgiu quando os astrônomos começaram a estudar as galáxias, como a nossa Via Láctea. Se olharmos a estrutura da galáxia como apareceria do lado de fora, a maioria das 100 bilhões de estrelas ou mais da Via Láctea estaria situada no disco galáctico. A maioria das estrelas está concentrada próxima do centro do disco, ao redor do núcleo e do bojo galáctico. Acima e abaixo do plano do disco estão algumas centenas de aglomerados globulares espalhados e uma grande região redonda e pouco luminosa chamada de halo.
Via Láctea
NASA/Foto cedida por Ned Wright
Nossa galáxia, a Via Láctea
Ao estudarem a Via Láctea, os astrônomos queriam medir as massas e suas distribuições dentro da galáxia e dos agrupamentos de estrelas. Mas você simplesmente não consegue pesar algo do tamanho de uma galáxia - você precisa encontrar sua massa por outros métodos. Um deles é medir a intensidade da luz, ou a luminosidade. A luminosidade está relacionada à massa de uma estrela (quanto mais luminosa, mais massa). A partir das medidas da luminosidade, sabemos que há cerca de 15 bilhões de luminosidades solares (equivalentes em massas solares) entre a órbita do sol e o centro da Via Láctea.
Outro caminho para medir a massa galáctica é pela rotação do disco galáctico. Imagine que a galáxia está girando, como um CD ou um carrossel, e que você está olhando para ela da beirada. Dentro da galáxia, as estrelas estão a diferentes distâncias do centro. Algumas dessas estrelas estão se distanciando de nós, enquanto outras, aproximando-se. Podemos estimar a direção e a velocidade com que as estrelas estão se movendo, para isso medimos a luz que sai delas usando o efeito Doppler. Podemos colocar em um gráfico a velocidade das estrelas a diferentes distâncias do centro da galáxia para obter a curva de rotação galáctica.



Efeito Doppler

Assim como o som alto de uma sirene de caminhão de bombeiros, que vai diminuindo à medida que o caminhão se distancia, o movimento das estrelas afeta os comprimentos de onda da luz que recebemos delas. Esse fenômeno é chamado de efeito Doppler.

Podemos calcular o efeito Doppler medindo as linhas no espectro de uma estrela  e as comparando ao espectro de uma lâmpada padrão. A quantidade do deslocamento Doppler nos diz a velocidade com que a estrela está se movendo em relação a nós. Além disso, a direção do deslocamento Doppler pode informar a direção do movimento da estrela. Se o espectro de uma estrela mudou para a extremidade azul, a estrela está se aproximando de nós; se mudou para a extremidade vermelha, então a estrela está se distanciando. 
A curva da rotação mostra a distribuição da massa dentro da galáxia. Se a galáxia for como nosso Sistema Solar, em que a massa concentra-se no centro, a força da gravidade será maior próximo ao centro (a força da gravidade diminui com a distância). Por esse motivo, os objetos próximos ao centro orbitam com mais rapidez do que os que estão mais distantes, semelhante a um patinador de gelo, que gira mais rápido quando seus braços estão encolhidos ou próximos do seu centro. Dessa forma, esperaríamos que as estrelas próximas ao centro galáctico tivessem velocidades de rotação (velocidades angulares) maiores do que as mais distantes, e que a curva de rotação galáctica diminuísse exponencialmente como uma função da distância.
Descoberta de massa-luz
Quando os astrônomos mediram a curva de rotação galáctica da Via Láctea, a velocidade de rotação não diminuiu exponencialmente com a distância - na realidade, ela aumentou, chegando a um valor quase constante. Então, concluíram que a maior parte da massa galáctica estava localizada nas extremidades da galáxia (fora da órbita do Sol de 28 mil anos-luz do centro), ou na porção do halo. As regiões externas e as porções do halo da galáxia emitem pouquíssima luz. Por esse motivo, qualquer massa que existe nessas regiões (e há uma grande quantidade dela) é escura, daí o termo "matéria escura". Na verdade, existe seis vezes mais matéria escura do que matéria clara na Via Láctea.


gráfico de setores
NASA/Equipe de ciência da WMAP
A composição do universo
Essa descoberta de uma alta relação massa-luz para a Via Láctea não foi totalmente nova. Em 1933, o astrônomo Fritz Zwicky usou métodos semelhantes para medir a massa luminosa e a massa rotacional nos aglomerados de galáxias (grandes grupos de galáxias que orbitam entre si). Ele descobriu as relações massa-luz que eram maiores que 100. Zwicky sugeriu que as diferenças entre a massa total e a massa luminosa deviam-se à matéria escura. Suas descobertas não foram bem recebidas pela maioria dos astrônomos, mas, hoje, a idéia de que existe matéria escura geralmente é aceita.
Na década de 60, a astrônoma Vera Rubin fez uma curva rotacional para a galáxia Andrômeda (M31) e descobriu um padrão semelhante ao observado na Via Láctea. Ela e seu colega, Kent Ford, criaram curvas rotacionais para várias galáxias espirais e encontraram curvas semelhantes às da Via Láctea. A implicação de todos esses resultados apontou para duas possibilidades:
1. Algo estava errado com a idéia que tínhamos de gravidade e rotação. Provavelmente não era isso, pois as leis de Newton resistiram a muitos testes durante séculos - elas se aplicam à maioria das situações, exceto a objetos que viajam próximas à velocidade da luz ou em gravidade extrema, em que, no caso, aplicam-se as teorias de Einstein da relatividade especial e geral.
2. As galáxias e os aglomerados galácticos devem conter mais matéria escura do que clara. 
Os astrônomos podem detectar a matéria escura examinando os raios-X que ela emite. Na próxima seção, descobriremos como a matéria escura também pode desviar luz.

Raios X e curvatura da luz
Além das curvas de rotação, os astrônomos usaram as observações de raio-X para confirmar as grandes massas de galáxias e aglomerados galácticos. Quando aquecidos a altas temperaturas (milhões de graus Celsius), os gases emitem raios X. Quanto mais quente a matéria, mais raios X serão emitidos. Dessa forma, quando os astrônomos olharam dentro de aglomerados médios (os espaços entre os aglomerados galácticos) com os telescópios de raio X, descobriram grandes nuvens de gases com dezenas e até centenas de milhões de graus Celsius. Essas nuvens de gases eram invisíveis aos telescópios ópticos. Quando os astrônomos calcularam a massa a partir das medidas da temperatura, confirmaram relações massa-luz de 100 ou mais, o que dava mais evidência de matéria escura.
NGC455

NASA/CXC/E. O'Sullivan et al. 
Essa imagem de telescópio de raio X mostra que a galáxia NGC455 está
cercada por uma nuvem de gás a 10 milhões de graus Celsius
A matéria escura desvia a luz através da gravidade
Em sua teoria geral da relatividade, Albert Einstein mostrou que os objetos de grande massa podem deformar o espaço-tempo com sua gravidade. Vamos observar esse fenômeno com um super aglomerado galáctico. O super aglomerado deforma o espaço-tempo ao redor dele. Os raios de luz que emanam de um objeto distante atrás do super aglomerado passam através do espaço-tempo distorcido. Eles se desviam e convergem para o observador. Por esse motivo, o super aglomerado age como uma grande lente gravitacional, semelhante a uma lente óptica.
A imagem distorcida do objeto distante pode aparecer de três formas possíveis, dependendo do formato da lente:
1. Arredondada - a imagem aparece como um anel de luz conhecido como anel de Einstein.
2. Alongada ou elíptica - a imagem se divide em quatro imagens e aparece como uma cruz conhecida como cruz de Einstein.
3. Agrupada - a imagem aparece como uma série de arcos maiores e arcos menores em forma de banana.
Medindo o ângulo de desvio, os astrônomos podem calcular a massa da lente gravitacional (quanto maior o desvio, mais massiva será a  lente). Com esse método, os astrônomos confirmaram que os aglomerados galácticos possuem, de fato, massas elevadas, conforme indicado pelas curvas de rotação e pelas imagens de raio X. As massas elevadas excedem as massas medidas pela matéria luminosa (isto é, relação massa-luz elevada) e apresentam evidências de matéria escura.



MOND: Modified Newtonian Dynamics (Dinâmica Newtoniana Modificada)

Na década de 80, o físico Mordecai Milgrom sugeriu que a matéria escura talvez não existisse. Ele achou que a segunda lei do movimento de Newton (força = massa x aceleração, f = ma), uma lei fundamental da física, deveria ser revista nos casos de movimentos galácticos. Isso seria uma grande mudança da maneira como entendemos o universo, pois a segunda lei de Newton forma a base de muitas leis da física.

Milgrom sugeriu uma modificação para essa lei chamada de MOND, ou Dinâmica Newtoniana Modificada. Essa modificação compreende a adição de uma constante matemática nova na segunda lei de Newton. A MOND encontrou o ceticismo de muitos astrônomos e físicos, pois não foi introduzida como um princípio físico fundamental, mas como uma solução para um problema específico.
Além disso, a MOND não pode responder pelas evidências de matéria escura descoberta por outras técnicas que não envolvem a segunda lei de Newton, como a astronomia do raio X e as lentes gravitacionais. Além disso, os físicos testaram recentemente a segunda lei de Newton em acelerações tão baixas quanto 5x10-14m/s2 e relataram que se confirma f = ma sem necessidade de modificações (veja as Atualizações de Notícias do Instituto Americano de Física: "Segunda Lei de Newton do Movimento", 11 de abril de 2007). O destino da MOND ainda é questionável e pode ser explorado.

Matéria escura e destino do universo
Quando os astrônomos Margaret Geller e Emilio E. Falco delinearam as posições das galáxias e dos aglomerados galácticos no universo, ficou claro que esses objetos não foram distribuídos aleatoriamente. Ao contrário, foram agrupados em longos filamentos (paredes) intercalados com espaços vazios (lacunas), dando, assim, ao universo uma estrutura semelhante à teia de aranha. Como essa estrutura se formou? O que a mantém unida? 
linha do tempo do universo
NASA/Equipe de ciência da WMAP
De acordo com essa linha do tempo, a expansão do universo está acelerando
A teoria do Big Bang sobre a formação do universo afirma que o universo primitivo passou por uma enorme expansão e que ainda hoje está se expandindo. A única explicação para esse tipo de estrutura é que a gravidade está fazendo algumas dessas galáxias se agruparem em paredes ou filamentos. Para a gravidade unir essas galáxias, deve haver uma quantidade bem grande de massa deixada pelo Big Bang, particularmente massa invisível (ou seja, a matéria escura). Na verdade, as simulações de um supercomputador (em inglês) da formação do universo mostram que podem se formar galáxias, aglomerados galácticos e estruturas maiores, ao longo do tempo, a partir de agregações da matéria escura no universo primitivo. Assim, a matéria escura pode ser uma "cola" importante que mantém junta essa estrutura universal. Uma pergunta para pesquisas futuras é se a matéria escura preenche todo o universo, inclusive as paredes galácticas.

Além de dar estrutura ao universo, a matéria escura pode ter um papel importante no seu destino. O universo está expandindo, mas ele sempre expandirá? A gravidade determinará basicamente o destino da expansão, e a gravidade depende da massa do universo; especificamente, existe uma densidade crítica de massa no universo de 10-29g/cm3 (equivalente a alguns átomos de hidrogênio em uma cabine telefônica) que determina o que pode ter acontecido.
  • Universo fechado - se a densidade real de massa for maior que a densidade crítica de massa, o universo se expandirá, ficará mais lento, parará e colapsará sobre si mesmo em um "Big Crunch".
  • Universo crítico ou plano - se a densidade real de massa for igual à densidade crítica de massa, o universo sempre se expandirá, mas a taxa de expansão ficará cada vez mais lenta à medida que o tempo passar. Qualquer coisa no universo, conseqüentemente, no futuro esfriará.
  • Universo de expansão constante ou aberto - se a densidade real de massa for menor que a densidade crítica de massa, o universo continuará expandindo e a taxa de expansão não mudará.
As medidas de densidade de massa devem incluir a luz e a matéria escura. Assim, é importante saber a quantidade de matéria escura que existe no universo.

As observações recentes dos deslocamentos de supernovas distantes sugerem que a taxa de expansão do universo realmente está aumentando. Isso abre uma quarta possibilidade, um universo em aceleração, em que todas as galáxias se afastarão umas das outras com uma certa rapidez, e o universo ficará frio e escuro (mais rápido que no universo aberto, mas ainda em cerca de dezenas de bilhões de anos). Não se sabe ainda o que provoca essa aceleração, mas ela foi chamada de energia escura. A energia escura é ainda mais misteriosa que a matéria escura; entretanto, deve haver uma grande quantidade dela que seja responsável pela aceleração do universo.

Pesquisas atuais nos centros de cosmologia tratam sobre a solução dessas questões: 
  • Qual é a natureza da matéria escura?
  • Qual a quantidade exata que existe de matéria escura?
  • Qual é a distribuição exata da matéria escura no universo?
  • O que é energia escura?
As respostas a essas perguntas nos farão entender melhor as origens, estrutura e destino do universo. 

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